====== May (HS) – A problemática da coisa ====== //MayHS// Uma situação semelhante parece ocorrer em relação à compreensão e apresentação de Heidegger sobre a problemática da coisa, que ele aborda em vários textos diferentes. Uma comparação textual revela uma semelhança entre os padrões de frases que Heidegger emprega para caracterizar o Ser em //Ser e Tempo// e a caracterização da coisa no chamado "curso sobre a coisa" de 1935–1936 (GA41). Na tradição filosófica ocidental, as coisas (no sentido mais estrito) são entendidas como todas os entes não humanas. O próprio Heidegger oferece uma caracterização (mais ampla) quando escreve: //"Na linguagem da filosofia, coisas em si e coisas que aparecem, tudo que de alguma forma é, é chamado de coisa."// A verdadeira questão, que leva de forma incisiva à elucidação do "ser" das coisas, foi originalmente proposta na palestra de Friburgo do semestre de inverno de 1935/6, intitulada //"Perguntas Fundamentais da Metafísica"// e publicada em 1962 como //A Questão da Coisa: Sobre a Doutrina Kantiana dos Princípios Transcendentais (GA41)// . A resposta adequada deve ser buscada (e compreendida), segundo Heidegger, no contexto da //"mudança da posição fundamental dentro da relação com os entes"//, como //"a tarefa de uma época inteira"//. Isso significa, para Heidegger, abandonar a ideia de que Platão, Aristóteles e //"todos os pensadores subsequentes"// — seria preciso acrescentar, na tradição filosófica ocidental — tenham pensado //"o ser da coisa"// de forma adequada. No entanto, Heidegger tenta, com sua elucidação, um novo começo a partir de uma perspectiva incomum, que só pode encontrar um ponto de partida adequado fora do pensamento filosófico ocidental. //"A questão da coisa volta a se mover a partir de sua origem"// (WT? 48/36). Sua resposta (não ocidental) corresponde quase literalmente à seguinte expressão: //"O que dá às coisas sua condição de coisa não é ele mesmo uma coisa"// (Zhuangzi, 22). E, segundo Heidegger: //" condição de coisa da coisa... não pode ser ela mesma novamente uma coisa"// (GA41 9/7, cf. 36). Compare com a conhecida formulação em //Ser e Tempo//: //"O Ser dos entes 'não é' ele mesmo um ente"// (SZ 6). Em ambos os casos, a resposta de Heidegger (congruente com as conexões articuladas acima) corre paralela ao que ele diz sobre o Nada (ou o vazio: veja a próxima seção), como na palestra sobre a coisa: //"A condição de coisa deve ser algo incondicionado "// (GA40 9/7). Nenhuma conclusão diferente poderia ser alcançada com o Zhuangzi, se pensarmos até o fim a ideia citada acima. É possível mostrar a influência de modos de pensamento asiáticos em outro contexto semelhante: a saber, na palestra //"A Coisa"// de 1950 (GA7). Uma passagem do Capítulo 11 do //Laozi// diz, na tradução de Wilhelm: //"A utilidade do jarro consiste em seu nada "// (51). Von Strauss traduz: //"O uso do recipiente está de acordo com seu não-ser "// (68; cf. 204–6). A primeira parte da palestra sobre a coisa aborda essa questão em várias passagens. Heidegger fala de um jarro, dizendo: //"O jarro é uma coisa como recipiente "//. E ainda: //"O caráter de coisa da coisa, no entanto, não consiste em ser um objeto representado, nem pode ser determinado de forma alguma em termos da objetidade do objeto"// (GA7). A questão do caráter de coisa da coisa já havia sido levantada anteriormente (1935 e 1936) em //"A Origem da Obra de Arte" (GA5)//, em conexão com o curso sobre //"A Coisa"//. Na palestra posterior, Heidegger continua a elucidação iniciada em meados dos anos 1930 seguindo o //Laozi// 11, na medida em que parafraseia da seguinte forma: //"O caráter de coisa do recipiente não consiste de forma alguma no material do qual é feito, mas sim no vazio que contém "//. Lembre-se de que no //"Diálogo"// se diz que //"o vazio é... o mesmo que o Nada"// (GA12). Se em uma nota marginal em //Ser e Tempo// Heidegger comenta sobre o tema //"Nada do Ser "// (SZ), em um contexto semelhante, estabelecendo a conexão entre //Ser e Tempo// e sua filosofia posterior, ele fala do //"vazio do Ser... nunca deve ser preenchido pela plenitude dos entes"//. Falando novamente (em 1969) sobre //"o Ser"//, ele observa de forma compreensível e conclusiva //"que o Ser nunca foi pensado como Ser pelos gregos ou mesmo colocado em questão"// (//"SLT, Seminar in Le Thor"// 105). Assim, para Heidegger, o retorno ao pensamento grego só faz sentido quando combinado com o retorno à reposição original da questão do Ser dos entes (//"SLT"// 105), ou seja — para ampliar um pouco — apenas quando o Ser como o Mesmo do Ser e do Nada é assim trazido, através do pensamento poético (para permanecer no modo de falar de Heidegger), para o caminho. De qualquer forma, devemos estar preparados para o que Heidegger reconheceu já em 1935: //"A verdadeira fala sobre o Nada sempre permanece incomum"// (GA40). Pelo menos no Ocidente, até agora.